"Projeto, design, cidade
– ¡estamos em Obras!.pdf"


Por Laís Matias Silva
Designer e arquiteta pela FAU USP/Politecnico di Milano

Barcelona se consolidou, ao longo da história recente, como um importante eixo de difusão cultural – especialmente devido aos projetos urbanos e arquitetônicos que a estruturam.



Março, 2023
Barcelona–São Paulo

Fotografia por
Guilherme Garofalo

A cidade integra a Comunidade Autônoma da Catalunha, situando-se no nordeste da Espanha, sendo seu principal porto mediterrâneo e centro comercial. Seu desenvolvimento histórico-político-social articulado à natureza litorânea da cidade fizeram com que se estabelecesse como um ambiente de intensa circulação e troca cultural, onde múltiplos povos e seus devidos repertórios culturais se projetam no espaço e nas relações.


As manifestações projetuais mais emblemáticas são evidentes de maneira imediata - há um projeto mediador da experiência de quem transita nas ruas no qual se prioriza a relação de escala entre pedestre e cidade, aproximando e articulando esses dois agentes. Arquiteturas de diferentes períodos se distribuem em convivência pelas ruas, ilustrando o acúmulo e passagem de tempo no espaço. Entretanto, permeando o passeio público percebe-se um segundo elemento que interfere diretamente na experiência de circulação pela cidade – manifestações gráficas também edificam a paisagem em sua minúcia: letreiros, placas, materiais impressos, pixos – há uma verdadeira densidade gráfica ocupando a paisagem urbana, sobrepondo diferentes suportes, meios, estilos, períodos e propósitos de linguagem.





As condições materiais que proporcionaram tal cenário se relacionam especialmente com o contexto histórico do período de Redemocratização Espanhola, quando a queda da censura fascista possibilitou que o espaço público se ocupasse mais livremente com manifestações visuais de diversas naturezas: logotipos, cartazes, letreiros - permitindo também a circulação de novos tipos de publicações, fomentando uma verdadeira cultura gráfica local que, viabilizada pelas forças econômicas e públicas, se fortaleceu.


Barcelona convida um olhar mais atento e valoroso à materialidade da vida real e sua riqueza de manifestações, ao combinar a plasticidade da expressão gráfica - que se dilui especialmente nas diversas "vozes tipográficas" distribuídas pelas suas ruas - ao ruído, embate e fluxo de movimento do cotidiano da vida humana - na contra-mão da aura de "impecabilidade" muitas vezes carregada pelas referências consumidas no universo do design em suas plataformas hegemônicas de divulgação de projetos. Além disso, ensina magistralmente, a cada esquina, a consideração e preservação do passado como práticas de projetar o futuro, sem que exista uma relação hierarquica entre eles: pensar e caminhar inventivamente sobre o que o tempo e o conhecimento já construíram.



Muito distante do referencial da homogeneidade estética calcada pelo modernismo, por exemplo, a organização da informação gráfica se dá no espaço através de um senso de coesão que contempla a multiplicidade e valoriza a expressividade tipográfica, gerando felizes surpresas - como um letreiro de farmácia composto em letras-caixa cuidadosamente desenhadas com ares art noveau e fixadas em neon e acrílico verde na fachada do estabelecimento.


Soma-se ao cenário desta produção privada o projeto público de comunicação e sinalização gráfica de toda a cidade. A maioria esmagadora do material de comunicação que ocupa o passeio público é voltado para a divulgação de eventos culturais locais, contando também com o recente adendo do estúdio local Folch, em 2021, concebendo todo o sistema de comunicação voltado para para o plano de limpeza e manutenção de Barcelona com a campanha "Cuidem Barcelona" - https://www2.folchstudio.com/cuidem-barcelona/ - estruturando um sistema visual que se materializa no desenho de lixeiras, caminhões de lixo, uniformes, placas, folhetos e uma infinidade de outros materiais que circulam pela cidade.


Barcelona possibilita a compreensão do design como disciplina mediadora do cotidiano e de sua ordenação, na essência dos termos modernos – porém – abarcando diferentes linguagens repertórios e meios em sua concepção.



A dinâmica que se observa é de uma rica sinergia entre o lastro da tradição e atitudes mais contemporâneas que, articuladas, fazem da cidade um ambiente estimulante, que permeia a rotina de todos, construindo um repertório visual através da experiência, aplicando-o na mesma cidade que o inspira.